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7 de jun. de 2010
Células estaminais neurais no caminho da reparação cerebral
Um grupo de 14 investigadores do Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra está a desenvolver um trabalho na área da "reparação cerebral". Se as expectativas se confirmarem, a utilização de células estaminais neurais poderá significar um passo à frente no tratamento das doenças neurodegenerativas.
As doenças do cérebro, no seu conjunto, afectam, actualmente, milhões de pessoas em todo o mundo. Estas patologias, para as quais ainda não existe uma cura efectiva - além de serem uma das principais causas de sofrimento - consomem uma fatia elevada do orçamento em saúde. Até ao momento, as estratégias terapêuticas desenvolvidas visam, apenas, o alívio dos sintomas, não garantindo a recuperação da zona cerebral afectada.
Movidos pelo objectivo de encontrar uma solução para esta lacuna, 14 investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular de Coimbra (CNC) - nove doutorados e cinco alunos de Doutoramento - desenharam uma metodologia de reparação cerebral, com recurso a nichos de células estaminais neurais (residentes em duas zonas do cérebro). João Malva, coordenador deste grupo e investigador principal da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e do CNC, acredita que, no futuro, este trabalho poderá abrir caminho à substituição de "células degeneradas por novas células", com capacidade de desempenharem as funções cerebrais perdidas.
Volvidos vinte anos após a descoberta de nichos de células estaminais neurais, em cérebros de recém-nascidos e adultos - embora, nestes últimos, tenda a diminuir com a idade -, os cientistas aperceberam-se de que a chave para algumas doenças poderia radicar na utilização destas células.
O grupo coordenado por João Malva agarrou esta ideia e lançou as bases de um projecto, cuja principal aposta foi a identificação de estratégias neuroprotectoras e neurogénicas conducentes à reparação cerebral.
As células estaminais neurais, por serem imaturas e relativamente plásticas, têm um potencial de diferenciação em vários tipos celulares e expandem-se indefinidamente. "Quando multiplicadas e pré-tratadas in vitro, com um factor que promove a diferenciação, poderão ser posteriormente transplantadas para a zona lesada do cérebro", afirma o investigador. E continua: "Se, conceptualmente, percebermos o mecanismo de diferenciação, podemos induzir estratégias de migração para as zonas cerebrais onde se registam défices de neurónios."
Apesar de ainda não passar de uma mera "ficção científica", usando as palavras do investigador, a longo prazo, está prevista a utilização deste método em patologias mais simples, como a doença de Parkinson ou Esclerose Múltipla. Mais tarde, em "patologias mais complexas, nomeadamente a epilepsia, lesões isquêmicas cerebrais e a doença de Alzheimer".
João Malva ressalva, no entanto, que "a aplicabilidade destes conceitos" ainda está longe de ser alcançada. Por ora, os investigadores estão interessados em conhecer a fundo a biologia e o comportamento destas células.
CSI: Cérebro Sob Investigação
Com base em modelos de experimentação animal, os investigadores estão a percorrer todos os passos na manipulação destas células estaminais neurais. Recorrendo a culturas in vitro destas células, extraídas de ratos, o grupo de investigação está a tentar perceber como é que, através do processo de diferenciação, se formam novos neurônios.
É, ainda, objecto de estudo o modo como os recém-formados neurónios "migram dentro do cérebro, como estabelecem sinapses (conexões entre neurónios) e, a partir daí, como se integram funcionalmente nas redes". Concluídas estas etapas, os investigadores estarão, "finalmente, na posse de ferramentas que lhes permitam, caso a caso, desenhar estratégias de reparação cerebral".
No âmbito desta investigação, os especialistas desenvolveram uma tecnologia, inédita em todo o mundo, que se baseia "na análise de flutuações de cálcio intracelular em células individuais".
Mediante a aplicação de fármacos, verificou-se que as células respondiam de forma diferenciada aos estímulos. A partir desta observação, e conhecendo o perfil de resposta das células e os seus marcadores, conseguiram identificar funcionalmente diferentes tipos de células: neurónios, astrócitos e oligodendrócitos. "Estas conclusões abrem uma nova linha de investigação na farmacologia da neurogénese e na identificação de factores pró-neurogénicos, permitindo-nos descortinar de que forma as células podem ser afectadas positivamente por alguns fármacos", defende.
Paralelamente à experimentação in vitro, os investigadores estão a estudar a reparação in vivo. Para isso, utilizaram um modelo de animal epiléptico, que apresenta morte cerebral no hipocampo.
Nesta área, foram transplantadas células estaminais neurais fluorescentes, retiradas de ratos transgénicos, e tratadas com factor próneurogénico, de forma a induzir a diferenciação.
"Reparámos que as células têm capacidade de integrar o tecido, embora, pelo menos para já, não possamos ainda avaliar o sucesso do processo de diferenciação funcional de novos neurónios."
Considera o especialista que estas "células são ainda muito enigmáticas", o que deixa muitas hipóteses em aberto. Porém, "esta fase de investigação levanta uma esperança na utilização futura das células estaminais neurais em seres humanos".
Principais células cerebrais
- Neurónios: principais células funcionais do cérebro, que cooperam em redes integradas. Os neurónios conduzem a actividade eléctrica de umas células para as outras e libertam mensageiros químicos, que produzem respostas entre células. "É o funcionamento integrado destas redes de neurónios que é responsável pela essência do funcionamento do cérebro e, em última análise, pelo controlo de todas as funções do corpo humano", defende João Malva.
- Astrócitos: células que ajudam os neurónios a manterem-se vivos. São uma espécie de "limpa impurezas", porque "removem o excesso de moléculas neurotransmissoras que se acumulam nas sinapses (ligações entre neurónios)". Esclarece o investigador que, "com as sinapses livres, a comunicação flúi mais rapidamente", adiantando, ainda, que "os astrócitos são também essenciais no complemento metabólico dos neurónios".
- Oligodendrócitos: são as células que ajudam os neurónios a conduzirem a informação nervosa de modo mais eficiente. Os neurónios - responsáveis pelo envio de mensagens dentro do próprio cérebro e na sua ligação com os sistemas periféricos - possuem uma estrutura especializada, os axónios. "Estes estão incumbidos de enviar sinais eléctricos de uma célula para a outra. Acontece, porém, que quando a distância entre célula emissora e célula receptora é muito grande a velocidade de condução do sinal através do axónio pode tornar-se limitada". Assim, os oligodendrócitos formam uma camada gordurosa à volta dos axónios: a mielina. Esta possui funções semelhantes à camada isoladora do fio de cobre de um telefone. Contudo, esta "mielinização processa-se de forma irregular, com intervalos não isolados". Os sinais eléctricos "saltam" entre os nódulos não mielinizados, "o que permite o envio mais rápido de mensagens em zonas distantes do cérebro. A degeneração e morte dos oligodendrócitos está na base do desenvolvimento da esclerose múltipla", explica João Malva.
- Microglia: "são as principais células de defesa imunitária do cérebro", diz o investigador, adiantando que estas "desempenham um papel central em vigiar e assegurar um bom estado funcional do parênquima cerebral". Em resposta a "uma agressão estas células reagem e combatem o agente agressor de modo a limitar os estragos provocados nas redes neuronais", esclarece.
Células Estaminais: uma nova forma de vida
As células estaminais neurais existem, sobretudo, em duas grandes zonas do cérebro: região subventricular e região sub-granular do gyrus dentado do hipocampo. A primeira região "é responsável pela produção de novos neurónios envolvidos na discriminação do odor", afirma João Malva, indicando que estas foram as células utilizadas na investigação. As células da região sub-granular do gyrus dentado, adianta o investigador, "poderão estar envolvidas em processos de produção de memória". Por serem imaturas, as células estaminais cerebrais possuem a particularidade de se diferenciarem nos principais tipos celulares existentes no cérebro, "nomeadamente os neurónios, astrócitos e oligodendrócitos", resume.
BI: João Malva
Cargo: Presidente da Sociedade Portuguesa de Neurociências
Formação: Doutoramento em Biologia Celular, Universidade de Coimbra
Idade: 43 anos
Fonte: http://medicosdeportugal.saude.sapo.pt/action/2/cnt_id/3234/?textpage=1
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