1 de jun. de 2011
Doenças neurológicas estão a aumentar na Europa
30/05/2011 - 15:30
As doenças neurológicas estão a aumentar na Europa: 50 milhões de pessoas afectadas obrigam a custos de quase 400 mil milhões de euros anualmente em sistemas de saúde. Apesar de muitas vezes desvalorizadas, as doenças do cérebro, medula espinal e sistema nervoso periférico (incluindo músculos) afectam pelo menos 50 milhões de pessoas na zona da União Europeia (UE), estando a incidência a aumentar. Embora a doença neurológica seja responsável por um terço dos custos em cuidados de saúde, os especialistas, no Encontro Anual da Sociedade Europeia de Neurologia (ENS), a decorrer em Lisboa, criticaram a incapacidade para reconhecer plenamente o quanto estas doenças estão disseminadas, avança comunicado de imprensa.
“As doenças do sistema nervoso central e periférico ocorrem com maior frequência do que o cancro. De acordo com cálculos recentes de custos com cuidados de saúde, estes representam uma carga de 386 mil milhões de euros anuais nas economias europeias,” afirmou o Prof. Zohar Argov (Jerusalém, Israel), Presidente da Sociedade Europeia de Neurologia (ENS) no Encontro Anual da ENS em Lisboa. O impacto mais abrangente no bem-estar humano “é geralmente muito subestimado”. Mais de 3200 especialistas em neurologia, provenientes de todo o mundo, encontram-se neste momento a discutir os mais recentes desenvolvimentos em todas as áreas da sua especialidade na capital portuguesa.
Cerca de 50 milhões de pessoas na UE sofrem de uma ou mais doenças neurológicas, de acordo com números publicados pela OMS no seu “Atlas de Neurologia.” A incidência está a aumentar. O Conselho Europeu do Cérebro prevê, nos próximos anos, um aumento de 20% nestas doenças. “Apesar destas dimensões, as doenças do cérebro e do sistema nervoso recebem menos atenção e financiamentos por parte do público do que, por exemplo, o cancro ou as doenças cardiovasculares,” afirmou o Prof. Argov.
“Contudo, é de louvar que os nossos esforços no sentido de aumentar a consciencialização tenham dado frutos e que, nos últimos anos, a UE tenha vindo a dar mais importância a este tema: a investigação sobre o cérebro é agora especificamente mencionada no 7º Programa-Quadro e o Conselho Europeu do Cérebro empreendeu uma importante estratégia, a par das suas outras actividades, com vista a fazer com que 2014 venha a ser o Ano Europeu do Cérebro”, acrescentou.
Existem algumas doenças neurológicas comuns bem reconhecidas. A enxaqueca ocupa um dos primeiros lugares na lista das doenças neurológicas mais frequentes. De acordo com o Conselho Europeu do Cérebro, cerca de 41 milhões de europeus sofrem destas cefaleias crónicas stressantes. Cerca de 4,8 milhões de pessoas na UE sofrem de alguma forma de demência, cerca de 2,6 milhões de epilepsia, 1,2 milhões de doença de Parkinson e cerca de 1 milhão de pessoas por ano sofre um AVC. Enquanto que as miopatias (doenças dos músculos) são menos frequentes, o respectivo peso para a vida humana é elevado devido à sua cronicidade, ao seu impacto na incapacidade motora e à sua natureza hereditária.
Isto tudo representa um importante peso para as economias nacionais. Cerca de um terço dos custos em cuidados de saúde europeus podem ser atribuídos a doenças neurológicas. Consequentemente, o Prof. Argov apelou a um aumento do financiamento nas áreas de investigação básica, ao desenvolvimento de novos métodos de tratamento e à formação dos neurologistas.
Miopatias: o leque de terapias está finalmente a aumentar
“As recentes investigações no âmbito das doenças musculares estão prestes a desenvolver terapias para as miopatias hereditárias de uma forma revolucionária,” prosseguiu o Prof. Argov. A dor muscular, a fraqueza, a perda de gordura, bem como a fadiga acentuada – os sintomas comuns das doenças musculares, são progressivos e incapacitantes desde tenra idade – têm sido os principais sintomas e durante muito tempo não houve opções terapêuticas. “A maior parte do controlo das miopatias hereditárias estava restrito à terapia física geral. Actualmente atingimos o ponto de proporcionar ajuda aos pacientes de uma forma completamente nova e eficaz. No Encontro da ENS deste ano iremos discutir métodos que estão actualmente a ser testados, como as terapias metabólicas, prescrições de exercícios, utilização de oligonucleotídeos antisentido e terapia genética mediada por vírus,” afirma o presidente da ENS, Prof. Argov.
Métodos bioquímicos de combate às miopatias metabólicas
“Descobrimos que as miopatias metabólicas parecem ser mais receptivas ao tratamento uma vez que o defeito bioquímico seja identificado,” salientou o Prof. Argov. As doenças são causadas por problemas metabólicos baseados na genética: o organismo é incapaz de usar lípidos, glicose ou algumas enzimas são reduzidas em função, causando intolerância ao exercício, bem como fraqueza e degeneração muscular. “A situação do paciente pode actualmente ser melhorada pela substituição enzimática em algumas condições. Mas nós podemos também contornar o defeito metabólico suplementando um composto em falta ou utilizando ‘cocktails metabólicos’ para aumentar a capacidade oxidativa muscular,” afirmou o Prof. Argov no Encontro da ENS. Um outro método é aumentar a disponibilidade de fontes de energia compensatórias na dieta, por exemplo, os pacientes que sofrem de doença de McArdle não podem usar glicogénio muscular para a produção de energia, mas pode-lhes ser administrada sacarose antes da prática de desportos ou uma dieta rica em hidratos de carbono.
Acabaram-se os tabus: terapia de exercícios na doença muscular
“Precisamos de ultrapassar o tradicional receio de magoar os pacientes com miopatias através da actividade e deveremos encorajar a terapia de exercícios,” afirma o Prof. Argov. Além disso, havia uma falta de conhecimentos baseados na evidência sobre os efeitos dos exercícios de força ou aeróbicos no processo da referida doença. Uma panorâmica actual dada pelo Dr. Tanja Taivassalo (Montreal, Canadá) mostra que têm sido feitos progressos recentemente, relativamente à segurança e eficácia do treino de exercício como terapia para várias doenças musculares e para avaliar a capacidade do estímulo do exercício para reverter o descondicionamento e afectar o processo das doenças. Alguns resultados dão esperança aos pacientes. Numa série de estudos que avaliam a terapia de exercícios em miopatias mitocondriais, o treinamento aeróbico e de força reverteu o descondicionamento e aumentou a capacidade no pico do exercício, bem como a força muscular. De acordo com o Prof. Argov, contudo, “um conjunto de resultados individuais encorajadores não é suficiente. Temos uma necessidade urgente de estudos controlados e randomizados maiores, para confirmar a segurança, mas também a eficácia, de suplementos como a coenzima Q10. Precisamos de desenvolver directrizes específicas para o exercício, de modo a optimizar a eficácia da terapia de exercícios em diversas doenças musculares.”
Impressionante desenvolvimento no campo da medicação baseada na genética
A perspectiva de uma pílula contra as doenças musculares, como a distrofia muscular de Duchenne (DMD), que venha a melhorar crucialmente a qualidade de vida de um paciente já não é apenas um sonho dos pacientes. A melhor compreensão da base genética e dos eventos moleculares que levam à degeneração muscular e às distrofias musculares, juntamente com os avanços em oligómeros antisentido, deu origem a novas abordagens no tratamento das distrofias musculares e a um dos recentes programas de desenvolvimento de medicamentos com avanços mais rápidos. A terapia antisentido é uma forma de tratamento de problemas genéticos ou infecções. Quando se sabe que a sequência genética de um gene específico é causadora de uma doença específica, é possível sintetizar um filamento de ácido nucleico (ADN, ARN ou produto químico análogo) que se ligue ao ARN mensageiro produzido por esse gene e o inactive, “desligando” efectivamente esse gene. Após anos de experimentações in vitro e estudos in vivo em modelos animais, passámos a ensaios clínicos. Estamos hoje a um passo de desenvolver uma medicação quotidiana para os pacientes que sofrem de distrofia muscular de Duchenne (DMD), a mais comum das distrofias musculares graves que ocorre na infância,” afirmou o Prof. Argov em relação aos resultados relatados pelo Prof. Francesco Muntoni, Londres (Reino Unido). A inovadora medicação utilizará partes do ADN (oligonucleotídeos antisentido) para modificar a união do gene da distrofina nas células musculares.
Além disso, há esperança para outras distrofias menos comuns, como a LGMD2B (de Miyoshi). A doença é causada por defeitos no gene da proteína disferlina. Pertence à categoria das distrofias musculares distais, o que significa que os músculos mais gravemente afectados se encontram na barriga das pernas, antebraços, mãos ou pés. Estudos pré-clínicos em distrofias miotónicas registam igualmente avanços rápidos, seguidos de tentativas de utilização de oligómeros antisentido. “Paralelamente aos estudos pioneiros em humanos usando estes ‘produtos químicos de primeira geração’, regista-se um rápido crescimento em trabalho experimental que incide na optimização da eficácia do antisentido de nova geração, com eficácia sem paralelo em modelos pré-clínicos,” acrescentou o Prof. Argov.
Terapia genética de substituição: um vírus como veículo
Um vírus encontra-se geralmente associado à doença e não à cura. Mas, ao procurar uma terapia genética contra a distrofia muscular de Duchenne e outras miopatias hereditárias, descobriu-se que o vírus adeno-associado (AAV) serve como o “veículo” ideal: é um veículo seguro para a transferência de genes saudáveis normais para as células musculares, com o reconhecimento de que a exposição pré-existente a este vírus pode apresentar obstáculos. Entretanto aprendemos que os pacientes podem ser submetidos a rastreio antes da sua participação, preparando o caminho para a transferência segura de genes usando AAV. Ao informar sobre os resultados do estudo pelo Prof. Jerry R. Mendell, Columbus, Ohio (EUA), o Prof. Argov comentou que “Esta descoberta é uma abertura a terapias inovadoras. Com a aplicação de terapia genética mediada por vírus, seremos capazes de fazer muito mais pelos pacientes que sofrem de distrofia muscular do que simplesmente consolá-los. “ O “veículo-AAV” foi também considerado capaz de fornecer o gene alfa-sarcogliano numa forma de distrofia muscular do tipo cinturas-LGMD2D. Além disso, este “veículo” é quase um camião: AAV5 é unicamente capaz de transferir genes que excedam o limite usual de encapsidação de 5kb, um importante obstáculo a ultrapassar em terapias envolvendo perturbações resultantes de grande mutação genética.
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